sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

UMA BOLA QUADRADA




Corpo franzino, moreno, olhos pretos, cabelo grisalho de olhar e explícito, ele era o um campeão, a jogar a bola.


A garra e entrega que evidenciava a jogar, faziam dele um ídolo, da nossa turma, e da escola em campeonatos interescolares.


O Daniel, era idolatrado por todos nós.


Vai Daniel, marca!


Golo!!!


O seu nome, ecoava pelos campos onde a nossa turma, e escola ia jogar.


Ele, não era um aluno brilhante, longe disso, mostrava grande falta de concentração, e uma enorme revolta.


Na sala de aulas ocupava sempre os últimos lugares.


Método simplista, de o marginalizar, ou exclui-lo, do resto da turma, com o qual eu, não concordava.


Ainda lembro, a repreensão que levei da professora, por me ter manifestado contra aquela atitude.


Eu era o seu melhor amigo.


Não esqueço o dia em que o Daniel, com voz trémula soltou o desabafo, dizendo.


 


Pois, aqui eu não sirvo para nada, só quando jogamos à bola é que se lembram de mim.


A isso chama-se hipocrisia.


 


Bem o compreendia, já que vivia-mos na mesma aldeia, ele fazia parte do meu grupo de amigos, muitas vezes confidenciava-me, a tristeza que lhe ia na alma.


O futebol, era o escape da sua raiva.


Fazia-se sempre acompanhar do boné, e a bola, debaixo do braço, era a sua imagem de marca.


A vida do Daniel não era nada fácil.


Vivia com a Avó, uma senhora já de alguma idade, criando um foço que descambava, num conflito de gerações.


As dificuldades económicas eram latentes.


Não fosse o sentido solidário que reinava na aldeia, a alguns só lhes restava, a institucionalização.


Quadro esse, que o Daniel rejeitava de forma categórica.


Muitas vezes desabafava comigo dizendo.


 


Diogo, por vezes pergunto a mim mesmo, para quê que nasci.


Os meus Pais nem se lembram que existo.


 


Ia chutando a bola, contra o muro a compasso, matando as pausas que se faziam na conversa.


Isso até que era verdade, o Pai do Daniel, há muito que tinha imigrado para o Brasil, a Mãe, havia enveredado pelo caminho da prostituição, vindo depois a juntar-se com um homem, do qual já tem um filho.


Recordo, uma tarde que estávamos a jogar berlindes, no pátio da casa do Daniel, quando ela chegou.


 


Olá Filho!


Estás grande e bonito.


 


O Daniel manteve-se imóvel, ignorando a presença dela.


 


Não me dás um beijo?


 


Eu não costumo beijar estranhos.


 


Trago-te aqui um spectrum 48k e jogos.


 


Pensava ela estar a dar-lhe um grande presente, mas o Daniel foi incisivo e lacónico.


 


Vens dar-me isto, para quê?


Visitas-me duas ou três vezes no ano, para me dares presentes, mas ignoras o que eu mais preciso.


Sabes o que é?


Pois, pela tua cara, já vejo que não.


Vives com outro homem, de quem já tens um filho, e eu?


Sou o suplente?


É isso?


Estou para aqui esquecido e abandonado nesta aldeia com a minha Avó, que tudo faz por mim, mas o que eu mais queria, era ter Pai, e Mãe!


Dele não sei nada, e de ti nada sei, nem quero saber.


Eu não quero prendas, quero sim, amor e carinho.


Quero ser um adolescente como os outros.


Vens-me trazer presentes, usados pelo teu outro filho?


O que para ele, já não serve, trazes para mim?


Eu não sou caixote de lixo.


Nem sou o outro!


Sei que infelizmente sem ter feito nada por isso, sou filho de um Deus menor.


Tu alimentas esta injustiça, à 8 anos haver dois pesos e duas medidas.


Ou tornei-me teu enteado?


Foi isso?


Faz-me um favor.


Esquece que eu existo.


Não te quero ver mais.


Não me procures.


Eu morri.


Vai-te embora, e leva o que trouxeste.


Se já não serve para ele, também não ade servir para mim.


Ou então, dá a uma instituição.


 


Colocou o braço sobre os meus ombros, e acrescentou.


 


Os meus amigos da aldeia, não se esquecem de mim, com eles, sei que poço incondicionalmente contar.


Exemplo disso, é o Diogo, e a família dele.


Deixa-me em paz, e segue o teu caminho.


 


Senti-me confrangido perante tal situação.


Tem calma Daniel.


 


Diogo, tu és o meu melhor amigo, conheces-me como ninguém, e sabes que sou frontal.


 


Mas Daniel, é a tua Mãe!


 


Avó, ser Mãe é estar presente, é dar amor e carinho.


Ao longo destes anos ela teve um só dia para estar comigo?


Diga lá, teve?


Acho que o único tempo que teve para mim foi para me dar à luz.


Para me trazer a este mundo de sofrimento.


Desaparece.


Quando faço anos nem sempre te lembras da data.


Agora que estamos a chegar ao Natal, apareces com as sobras do teu filho, sim porque esse é o teu filho.


Eu, sou aquele que estou para aqui, a quem tu nem um telefonema fazes.


Nem te preocupas como vou na escola, nem se estou doente, ou a passar fome.


Como queres que eu veja em ti uma Mãe?


Sabes, não sou hipócrita.


Prefiro as verdades, mesmo que elas magoem, que a mentira, ou fingimento.


Alguma vez quiseste saber qual foi a minha primeira palavra que escrevi?


Foi Mãe.


É o que não tenho.


Olhar para ti, ou para uma outra mulher, é a mesmíssima coisa.


No teu olhar nunca vi ternura, e ânsia por mim.


Vejo sim, frieza, e distância.


Acho que perdeste a noção do tempo.


O Daniel, cresceu, já tenho 12 anos.


Chegas junto de mim, e perguntas.


Está tudo bem filho?


Achas, que está?


 


Mas eu, Daniel.


 


Não, não quero que te desculpes, e muito menos que te justifiques.


 


Mas filho, ouve-me!


 


Não me venhas com mais falsas promessas.


Eu não quero, nem preciso das tuas esmolas, nem dos brinquedos que o teu outro filho já não usa.


Não me compram, com bens materiais.


Sabes, a minha vida é uma bola, só lamento, que seja uma bola quadrada!


Mas ainda hei-de, marcar muitos golos, na baliza da vida!


Irei festejar as vitórias, e aprender com as derrotas.


Mas tudo farei, para ser sempre justo!


 


 


DIOGO_MAR

4 comentários:

  1. A melhor prenda é sempre a presença, sem dúvida nenhuma! Nada substitui o carinho e ao amor...

    Gostei da metáfora de uma bola quadrada e de que há-de ser sempre justo! Força, Daniel :)

    Um grande abraço

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    1. Olá viva AMIGO Daniel:
      Infelizmente, temos muitas crianças que carregam uma bola quadrada!

      ABRAÇAÇO

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  2. Olá, Diogo!

    Obrigada por ter visitado e comentado o meu poema.
    Penso que tenho sido injusta em relação a si, porque nem sempre "respondo" à sua "chamada", mas, estou longe de ser perfeita.

    Quanto à história, aqui, publicada, achei-a interessante, mas infelizmente, há muitos casos semelhantes ao do Daniel.

    As pessoas se desejam ter filhos, devem dar-lhes o máximo de carinho, atenção e amor.

    Há muitos miúdos/as, mas sobretudo, o sexo masculino, a extravasar, a colmatar carências, com atividades como esta, que referiu, o futebol, ou outras, menos salutares, e muitas vezes, vão cair em "vales", que, de todo, não desejam, mas são eles, foram eles que lhes deram amparo e carinho, nos tempos difíceis.

    NADA ACONTECE, POR ACASO.

    Bom domingo. Em Lisboa está muito vento. No Porto, como estão as coisas?

    Beijo.

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  3. Triste historia y a pesar de que la traducción no es buena, se entiende cuanto dolor el del niño, y cuanta injusticia la de la madre.

    mariarosa

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