Lembro aquele natal inesquecível, foi o mais terno e feliz, que
a minha família podia ter.
O processo de guarda do Rodrigo, requerido pelos meus Pais
junto do tribunal, ficando com a sua custódia, finalmente teve o seu epílogo. Os meus Pais, em conjunto com o nosso advogado, interpuseram
recurso, devidamente fundamentado, de forma categórica e inequívoca, rebatendo
a primeira tomada de decisão, que não nos tinha sido
favorável. Reuníamos todas as condições, socioeconómicas, para
ficar-mos com o Rodrigo. Além disso, era-mos uma família solidamente estruturada. O meu Pai, sabia muito bem esgrimir os seus direitos de
Padrinho, e não se deixava vencer facilmente. Tudo se resume, a uma questão de carater e personalidade,
que sou orgulhosamente herdeiro. Era um homem determinado na luta e defesa das causas. Esta, era do afilhado, de quem tanto gosta.
A prepotência ditatorial do homem, e das leis, não podem
padecer de tão profunda e cruel cegueira. Acredita em nós Diogo.
Estas palavras e a forte convicção dos meus Pais,
deixavam-me tranquilo. Eu não tecia comentários, sobre o assunto ao Rodrigo, para
não lhe elevar, os índices de ansiedade, tinha receio, que cometesse algum ato
irrefletido. Dado adquirido, ninguém da aldeia e da escola, aceitavam que
ele fosse para uma instituição, a começar pelo Rodrigo. Por tudo isto, eu era muito contido no que concerne a esta
matéria. Eram as instruções, que os meus Pais me tinham dado. Não lhe devia alimentar, falsas espectativas. Dizia-lhe sempre para ter esperança. Ele andava muito revoltado, pelo empasse em que estava a
decisão, do recurso entreposto. Mas depositava nos meus Pais, toda a confiança, e desabafava
dizendo.
Diogo, só os Padrinhos me podem salvar.
Eu todas as noites, rezava para que tudo corresse a nosso contento. Fiz uma promessa à Santa Rita, dar-lhe nove velas, tantas
como a idade do Rodrigo. Pedia-lhe, para nos ajudar a ganhar esta questão,
e dessa forma dar-me, o irmão que eu tanto queria. A minha Mãe, depois da gravidez de alto risco, a quando da
minha gestação, ficou impossibilitada de ter mais filhos. Um de nós esteve a morrer, mas felizmente estamos cá os
dois, e muito felizes. Tenho a melhor Mãe do mundo, e eu tudo faço para ser um bom filho. Ao fim de uma luta titânica, por parte dos meus Pais, fazendo
valer o grau de parentesco de Padrinhos, tudo chegou a bom porto. Foi um processo que esbarrou em vários obstáculos, já que o
tribunal, mostrava-se intransigente, em abdicar da decisão de institucionalizar
o Rodrigo. Todos sofremos muito com esse fantasma a pairar sobre as
nossas cabeças. Era uma guilhotina, que a qualquer momento podia decepar a
vida do Rodrigo, ferindo de morte, no seu amor-próprio, e a nossa, pelo amor
que todos lhe temos. A frieza e por vezes indiferença, que as mais altas instâncias,
abordam e tratam, estes processos, são execráveis. Eu sempre acreditei, na capacidade e eficiência do meu Pai, e
do advogado a conduzir este assunto, tão melindroso. Por vezes via-o, de semblante carregado, quando lhe
preguntava como ia o processo. Ele era lacónico na resposta, outras vezes algo evasivo,
Evitando o meu sofrimento. Estava ciente da importância que eu dava a adoção do
Rodrigo. O meus Pais sempre me diziam.
Diogo, mantém a calma, tudo está a ser feito com o intuito
de trazer para nossa casa definitivamente o Rodrigo. Temos de dar tempo, ao tempo. Saber esperar é uma virtude, e devemos saber lidar com isso. Escuta bem filho. Faz disto um lema de vida. Contra a teimosia, nada melhor que a persistência.
Estávamos pela primeira semana de dezembro quando chegou a
resposta pela boca do advogado. Deslocou-se a nossa casa, reunimos na sala. Aquele hiato de tempo, de abrir a pasta, pegar nas folhas, foram
minutos transformados em horas. Os meus Pais, transpareciam uma calma aparente, eu estava
mais tenso.
Diogo, o Rodrigo é teu irmão. Ganhamos o recurso. Foi dado o veredito final.
Eu não cabia em mim de felicidade. O sonho de ter um irmão, realizava-se. Saltei do sofá, gritando. Ganhamos ganhamos ganhamos. Abracei os meus Pais a chorar de alegria. Com tanta emoção, só sabia agradecer-lhes. Vi lágrimas nos olhos dos meus Pais. O semblante do advogado, transparecia felicidade, pelo dever
cumprido. Terminava ali, o caminho tormentoso do Rodrigo, e Os maus
tratos, que o Pai, lhe infligia, e o calvário deixado, pelo abandono da Mãe. Agora juntos, Íamos desbravar novos horizontes, para um
traçado de vida em comum. Partilhar os mesmos Pais, a mesma casa, a mesma mesa e as
mesmas brincadeiras. Deixei que fossem os meus Pais a darem a notícia ao Rodrigo. Foi no almoço de sábado em minha casa, que lhe foi transmitido,
tão ansioso desfeche. Os olhos tinham um azul cintilante, sedentos por saber qual
o destino que o esperava. Estava de rosto algo fechado, vi-lhe muito medo, daquele
momento. Foi então que o meu Pai, disse.
Rodrigo, este natal vai ser diferente.
Aquela pausa, parecia infindável.
Como assim Padrinho?
Esta casa é tua, o Diogo é teu irmão, nós os teus Pais.
Caiu no choro convulsivo, abraçado a mim, dizia: finalmente somos
irmãos! Não cabia nele, de tanta euforia.
Somos irmãos Diogo! Deus existe! A Santa Rita também!
Abraçou o meu Pai dando-lhe um beijo. Obrigado Padrinho, és um
herói.
Rodrigo, não há heróis, à sim, garra e determinação, de
lutar pelos nossos objetivos.
Acabou no colo da minha Mãe, momento carregado de enorme
singularidade, e afeto. Já não se lembrava, de ser acolhido, pelo único e melhor regaço
do mundo, o de Mãe.
Adoro-te Mãe. Agora não vos trato por Padrinhos, mas sim por meus Pais. Tudo vou fazer, para vos retribuir e agradecer, todo o
empenho na defesa desta minha causa. Saberei estar a altura, da aposta que fizeram, e do
investimento que vão fazer em mim. Obrigado Pai, Mãe e mano, aquece-me o coração, poder prenunciar
estes nomes.
Rodrigo, vamos-te ministrar os mesmos padrões educacionais
do Diogo. A partir de hoje, tens os mesmos direitos e obrigações do
teu irmão.
Sim Pai, é justo que assim seja.
A minha Mãe afagava-lhe o rosto, e cobria-o de beijos, da
forma carinhosa que eu bem conhecia. Fui inundado por uma inusitada felicidade.
Bom, meninos, sabem qual vão ser as vossas tarefas para esta
tarde?
O quê Pai?
Preparar o quarto do Rodrigo, e depois uma surpresa.
Qual?
Vamos todos fazer a nossa árvore de natal, este ano ela reveste-se
de um significado, redobrado e especial.
Boa, o pinheiro de natal vai-se chamar Rodrigo!
Não Diogo, vamos é deitá-lo no presépio!
Gracejou o meu Pai. Soltamos em coro, uma sonora gargalhada. Respirava-se um ar pleno de felicidade.
Agora meninos, acabou o secretismo relacionado com o
processo do Rodrigo. Quanto aos trâmites que faltam, nos próximos dias tudo
ficará concluído. Já podem dizer na aldeia, e na escola que ele está
definitivamente em nossa casa, e que faz parte integrante da nossa família. Assim se faz o natal!!!