Aquela manhã despertou sob um denso manto de neve.
Da janela do meu quarto, gozava de uma paisagem de privilégio,
já que a casa da minha Avó, fica inserida numa quinta sobranceira ao povoado.
De pantufas, pijama e com a minha mantinha por sobre os
ombros, numa casa devidamente aquecida, aquela janela era a linha de fronteira
entre o doce e o agreste.
Eu já sabia que os invernos por estas paragens são
rigorosos, uns mais que outros, mas sempre castigadores.
Os velhos dizem que é bom presságio que assim seja.
A sabedoria do grupo que frequenta o largo da aldeia, diz
que a neve trata da terra mata a bicharada, tornando o solo mais fértil para as
sementeiras.
Eles bem que sabiam interpretar o livro da vida onde o tempo
é o mestre.
Estava rendido a tão belo fenómeno.
Eis que ecoa nos meus ouvidos a voz doce e terna da minha
avó.
Diogo, vem tomar o pequeno-almoço.
Soltei mais um bocejo retardatário.
Sim Avó, já desço!
Soltei mais um bocejo retardatário.
Sim Avó, já desço!
O frio que está lá fora, transmitia-me uma vontade acrescida
de preguiçar, e quanto mais junto da lareira melhor.
Como eu dizia muitas vezes fazer vida de gato, deitado no
escano, a ler um livro, a compasso do crepitar da lenha.
Chegado à mesa, lá me esperava o que eu apelidava de manjar
do marquês.
De resto, não sei porquê, os netos estão sempre magros aos
olhos dos Avós!
Pão, compotas variadas, feitas pela minha Avó bem como a
marmelada.
Mas não ficava por aqui.
Torradas queijo, fiambre presunto e até por vezes ovos
mexidos.
Tudo isto acompanhado por leite e café feito numa grande
cafeteira com água onde se dissolvia o pó do café.
Por isso batizei-o, café da Avó.
Era delicioso.
Ela repetia a frase:
Vá come Diogo, tens de ficar forte.
Come o que quiseres.
Eu sei Avó, obrigado.
Era tratado de forma principesca.
Nada podia faltar ao neto.
Por tudo isto os meus Pais, gracejavam dizendo:
A tua Avó estraga-te com mimos!
Já com o estômago devidamente aconchegado, fui ter com os
meus amigos da aldeia, ouvindo os concelhos que ela me dava, para me agasalhar
bem, e ter cuidado com os sítios para onde ia brincar.
Diogo, quando ouvires o relógio da torre da igreja dar as
badaladas do meio-dia, chega-te para casa.
Sim Avó.
Despedi-me dela com um abraço e o beijinho que tanto gosta e
merece.
Era muito bonita, tinha um olhar doce e terno, uma ou outra
impressão digital, que o tempo havia gravado no seu lindo rosto em forma de
ruga.
Lá fui a conquista dos montes e vales, ao encontro dos meus
amigos.
Embora tivesse bicicleta, o piso estava com gelo, e neve que
inviabilizava a sua utilização.
Logo ouvi chamar por mim.
Diogo!
Veio o Rui, esbaforido ao meu encontro.
Anda estamos no adro da igreja a jogar futebol.
Bora lá vamos para ver se aqueço.
Hoje está mesmo muito frio, não está Diogo?
Mesmo!
Já quase junto do grupo escorrego numa placa de gelo,
embatendo com o joelho esquerdo numa pedra, estatelando-me ao cumprido sobre
aquela coisa tão fria.
Soltou-se uma gargalhada em uníssono.
Então Diogo?
Já não te seguras de pé?
Dizia outro:
O que bebeste ao pequeno-almoço pa?
Esbocei um sorriso, misturado com uma máscara de dor.
O Rui ajudou-me a levantar.
Caminhei para junto deles, mas logo me sentei.
As dores tornavam-se mais intensas.
Então Diogo, não jogas?
Não, o joelho está a doer-me bastante.
Subi a perna esquerda da calça, e deparei-me com um cenário
que me assustou.
O joelho havia enxado de forma galopante.
Foi então que eles se aperceberam da gravidade da minha
situação.
Ei!!! É melhor chamar uma ambulância!
Todos procuravam uma forma de me ajudar.
Uma certeza tinha, não conseguiria chegar a casa pelo meu
pé.
E a minha Avó, como ia ficar!
Foi então que o Rui tomou o comando das operações.
Vá, em vez de estarmos aqui a lamentar vamos levar o Diogo
para casa.
Eu vou do teu lado esquerdo põe o braço por sobre os meus
ombros e dessa forma já não apoias o pé no chão.
Rui, espera, eu vou ver se o meu Pai, ainda não saiu, ele
leva-o de carro, disse o Jorge.
Ok, vai rápido!
Ok, vai rápido!
As dores eram intensas, eu tentava suster as lágrimas.
Era confortado por todos.
Tem calma Diogo, vais ver que não é nada de grave.
Eis que se ouve o barulho do motor de um carro.
Era o Pai do Jorge.
Então rapaz, o que te aconteceu?
Escorreguei no gelo, bati com o joelho numa pedra e não
consigo andar.
As lágrimas já irrompiam.
Mostra lá.
Eilá! Isto está feio, melhor é irmos diretamente ao
hospital!
Não por favor não.
Quero a minha Avó.
Leve-me até ela se faz favor.
Claro que sim, mas se achar por bem, levo-te em seguida
ao hospital.
E o Sr. João o endireita?
Questionou o Rui.
Não acha uma boa ideia Sr. Henrique?
Olha, agora é que falaste acertado Rui.
Vamos diretos lá, pode ser que ele nos diga o que será
melhor fazer.
Queres Diogo?
Sim quero.
Sim quero.
Vá eu ajudo-te.
Pegou em mim meteu-me no banco traseiro, só pode vir um
comigo.
Não te importas que eu vá com o teu Pai Jorge?
Claro que não Rui.
Vamos lá rápido.
Vamos lá rápido.
Chegados a casa do Sr. João, ele estava a tratar dos
animais, a esposa foi chamá-lo, era uma casa de lavoura, mas muito asseada.
Então Henrique, o que te traz por cá?
Desculpe vir chateá-lo trago-lhe o neto da dona Rita, que
Rita?
Da quinta dos Sonhos.
A da serra?
Sim essa mesmo.
Senta aqui neste banco, como te chamas?
Diogo.
O que te aconteceu?
Escorreguei numa placa de gelo, e embati com o joelho numa
pedra, dói-me muito.
Tira essa perna para fora das calças.
Ora deixa la ver.
Chi! Isto está muito enxado!
Eu vou mexer, vais ter que ser forte, ok?
Sim,
Segurei com força a mão do Rui.
Podes apertar Diogo, força!
Amordacei o berro, as lágrimas rolavam em fio.
Senti-me desfalecer.
Lembro, de ser amparado pelo Rui, e pelo Sr. Enrique.
Depois, acordei deitado numa cama, ao som do tique taque de
um relógio de cabeceira.
Então, já estás melhor?
Sim, eu desmaiei não foi?
Exatamente Diogo.
Bebe este copo de água com açúcar.
Desculpem, só estou a dar trabalho.
Olhei as horas no velho relógio, 12 e 30.
Tenho de ir, a minha Avó, já deve estar a ficar preocupada,
ela recomendou-me que fosse para casa, pós as badaladas do meio-dia.
Tem calma Diogo, atua Avó já sabe o que aconteceu, e que
estas aqui.
Meu deus Rui, deve estar muito preocupada. Quero ir para
junto dela.
Já vamos, só estávamos a espera que ficasses melhor.
Obrigado Sr. Enrique, e Sr. João.
Não vai ser necessário ir ao hospital pois não?
Não Diogo.
Mas não vais poder exercer preção sobre a perna durante 10
dias.
Vais ter de estar em repouso.
Fizeste um traumatismo violento, que desenvolveu um processo
inflamatório agudo.
Mas nada de grave.
Estava de joelho ligado, e com menos dores.
O Sr. João, era o massagista da equipa de futebol la da terra.
Dizem que tem mãos milagrosas.
Vais esfregar 3 vezes ao dia esta pomada, feita por mim, com
ervas medicinais e tem que se comprar na farmácia este antinflamatório.
Ok Sr. João, eu desde já lhe agradeço muito, e depois a
minha Avó faz contas com o Sr.
Deixa lá isso rapaz, o importante é que fiques bom, e eu um
destes dias passo lá para te fazer uma visita.
Com todo o gosto!
Chegado a casa fui ajudado por todos os meus amigos, que me
esperavam na sala.
Abracei a minha Avó, e confortei-a.
Já estou melhor Avó, já passou o susto.
Tenho fome!
Ri, para desanuviar o clima.
Os teus Pais o que vão dizer!
Dona Rita, aconteceu ao Diogo, como podia acontecer a um de
nós.
Avó, tu sabes que eles vão compreender!
Henrique, obrigado, e quanto lhe devo?
Ora essa dona Rita, não deve nada, só falta ir comprar um
antinflamatório, eu de tarde tenho de me deslocar a vila, e poço trazer.
Já lhe dou o dinheiro e desculpe toda esta trabalheira.
O importante, são as rápidas melhoras do Diogo.
Obrigado Rui, e a todos claro.
Obrigado por quê dona Rita.
Até parece que não conhece os hábitos da nossa aldeia.
Um por todos, e todos por um.
Quero agradecer-vos, em me terem dado esta grande prova de
amizade.
Está bem Diogo, agora, o importante é ficares bom, e não
esqueças, repouso.
Bom vamos andando.
Depois do almoço venham até cá.
Jogamos monopólio, e batalha naval!
Ok, combinado!
Fixe, assim tenho-vos junto de mim, e os dias tornam-se mais
agradáveis.
Eu vou buscar a casa uma canadiana esquerda para te trazer.
Tenho lá um par, quando o meu irmão teve o acidente de mota.
Obrigado Rui, és um amigão.
Vai e avisa que almoças aqui.
Está bem dona Rita, obrigado, volto já.
O Rui era como um neto para a minha Avó, já que acompanhou
muito de perto o seu crescimento, a Mãe dele, trabalha na quinta dos meus
Avós.
Estava a ter mais uma grande e inequívoca prova, da
solidariedade que impera nas gentes daquela aldeia.
Agora já estava mais confortável, sob a proteção carinho, e
amor da minha Avó, e da grande amizade dos meus amigos, onde se destaca o Rui,
que sempre foi o meu eleito.
O Ruca para os amigos!!!
DIOGO_MAR
Bom dia
ResponderEliminarQue belissima historia
Os Avós têm por hábito estragar os netos com mimos.
Mas uma coisa é certa... A comidinha da avó é e será sempre melhor, até as historias contadas à lareira.
ADOREI.
Bom domingo
Beijo
http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/
Obrigado Cidália.
EliminarEsta é uma das muitas histórias que pode ler por aqui!
Impera sempre o lado humano!
A verdadeira AMIZADE!
JINHO
Uma viagem por planos distintos: da paisagem que tao bem descreves, das comidas e quase sabores e cheiros que chegam aqui pela forma como descreves, e a reviravolta que depois felizmente se recompõe com um susto grande...
ResponderEliminarOutro grande post.
Abraço
Daniel: tento que a minha escrita, seja um veículo de transmissão de valores, e o mais descritiva possível.
EliminarQuero que o leitor se sinta dentro da história.
Aquele ABRAÇAÇO AMIGO!
Obrigado! Tem toda a razão
ResponderEliminarUn relato encantador, donde la amistad y el amor de la abuela nos ganan el corazón.
ResponderEliminarmariarosa
Muito obrigado Maria Rosa pelas suas palavras, e claro, pela sua visita.
EliminarCumprimentos