quarta-feira, 24 de abril de 2013

O FAIR PLAY NO JOGO DO PIÃO


 
Ainda hoje, guardo muitos dos meus brinquedos, que outrora me proporcionaram momentos de muita alegria e satisfação, apossando-se de mim, um não sei quê de nostalgia.
É como se eles estivessem a contar-me histórias, onde eu fui o protagonista.
Desde uma caixa de cartão cheia de lego.
Um exército com todos os soldados e equipamento bélico.
Uma coleção de animais que mais parecia um jardim zoológico tal é a quantidade e variedade de bicharada que saía na compra de uma determinada marca de detergente para lavar roupa a mão.
Junto a isto tudo uma coleção de miniaturas de carros, os meus berlindes, o meu cubo mágico, um protótipo de uma locomotiva do início do século e o meu ioiô.
Mas de todas estas recordações há efetivamente uma muito especial, o que eu guardo com muito carinho é o meu pião.
Ainda hoje ocupa um lugar de privilégio nos objetos de decoração da minha casa.
Foi o meu companheiro de muitas horas de prazer, disfrutadas junto dos meus amigos.
Sorrisos e tristezas.
Vitórias e derrotas.
Ele ensinou-me a ver que a vida é uma longa caminhada por vezes feita por caminhos tortuosos, e com um paladar acre-doce.
Lembro-me dos despiques ao jogo do pião.
O Rafael era um verdadeiro ás.
O Daniel logo lhe seguia.
Reconheço que eu nunca tive grande jeito, até ao dia que o Rafa se dispôs a ser meu mestre no lançamento do pião.
Bom, aí subi muitos níveis e comecei a empenhar-me, e rapidamente atingi o patamar do Rafa e do Dani.
Depois, bom depois era só juntar uns trocos dos recados que fazia, para estar sempre na vanguarda dos modelos de piões que o Sr. António tinha para vender.
Tornei-me um bom cliente de piões, ponteiras e cordel a que chamávamos faniqueira.
Era o meu jogo preferido.
Grandes emoções grandes despiques, chegamos a fazer campeonatos entre aldeias.
Eu o Rafa e o Daniel eramos os ídolos, e os mais fortes candidatos a vitória.
O mais difícil de se digerir, eram os torneios feitos entre nós, já que o jogo se tornava muito competitivo e intenso.
Como já sabia das dificuldades do Rafael, assumir as derrotas, tentava sempre não me expressar efusivamente, quando ganhava para não lhe criar mais fúria.
A nossa aldeia detinha os expoentes do jogo do pião, com os mais novos, e o da malha com os mais velhos.
Eramos imbuídos de um espirito de raça ganhadora.
Nós fazíamos de claque dos mais velhos na malha, e eles faziam o mesmo em relação aos nossos campeonatos do pião.
Recordo numa dessas competições, entre aldeias, que um rapaz que nós bem conhecíamos, de outros torneios e da escola, e que era inegavelmente um bom jogador, viu o Rafa, desferir um lançamento feroz e certeiro que simplesmente, abriu o pião do Rui ao meio.
Foi um momento que suscitou um grande aplauso, de todos que estavam a presenciar.
Era o consumar da nossa vitória, já que a equipa dele, não tinha mais nenhum pião de reserva, ficando com um jogador a menos.
Mas algo me chamou a atenção, e que fez desvanecer a minha alegria.
Quando olhei para o Rui, vi os olhos dele alagados em lágrimas, todos riam dele.
Foi então que tive uma atitude que deixou todos da minha equipa incrédulos, e revoltados.
Meti a mão ao bolço e tirei o meu pião suplente que tinha levado.
Toma Rui, vamos continuar o jogo.
O Rafael soltou o desabafo.

Diogo? O que estás a fazer?
Deves estar a brincar connosco, só pode.

Senti que tinha todos contra mim, até o meu Irmão Rodrigo, estava a ser-lhe difícil digerir aquela minha atitude.
Só o André, me dava apoio.
O rui agradeceu-me, e lá continuamos o jogo.
Foi uma verdadeira hecatombe.
O Rui, rapidamente imergiu, e logo se tornou num sério candidato a vitória.
Foi então que o Rafa, indignado repeti-o.

Andamos uns a jogar para os outros!
Assim não dá!
Já podia ter isto ganho.

Mais adverso se tornou o ambiente para o meu lado já que o Rui ganhou.
O Daniel insurgia-se contra mim, dizendo.

Parabéns Diogo, foste um herói.
Perdemos por tua culpa.

O André tomou a minha defesa bem como o Rodrigo.

Atenção a uma coisa, eu até poço ter alguma dificuldade em entender o que o Diogo fez.
Mas daí culpá-lo da derrota e expressar dessa forma o que estamos a sentir, acho injusto.

Eu estava consciente do ato que tinha feito.
Estava-me a magoar mais, era a frieza e a incompreensão, da parte de alguns dos meus amigos.
O Rui entregou-me o pião e agradeceu-me, dizendo.

O que vocês estão a fazer ao Diogo é muito mau.
Nem sei que raio de amigos vocês são.
Ao júri, quero desde já dizer, que esta minha vitória, é para atribuir ao Diogo.
Não é que a equipa dele mereça, pela atitude que tomou.
Mas pelo gesto, que teve para comigo, já que a minha continuidade em jogo deveu-se graças à boa vontade, de ter-me emprestado o pião suplente dele.
Quero que esta vitória seja toda do Diogo.
Fico tão feliz como se fosse minha.
Mais uma vez deste uma grande lição a todos nós.

Demos um abraço, e ficamos algo emocionados.

Se queres mesmo saber Diogo, esta atitude vinda de ti até que não me surpreende, já que na escola tu pautas a tua conduta de uma maneira irrepreensível.
Pensei que a tua equipa, formada por teus amigos, te conhecessem melhor.
Terão que rever o verdadeiro significado de amizade.

Eu mantive-me em silêncio, deixei que o Rui dissesse tudo que estava a sentir.
Ele era um dos meus bons amigos da escola.
Ali no jogo, como pertencentes a aldeias diferentes eramos adversários.
Mas para mim, imperava sempre o lado humano.
Eu sei que o Rafael tinha feito uma grande jogada, mas as lagrimas do Rui, iriam para sempre manchar a nossa vitória.
Obrigado Rui, fiz tudo isto porque quis, e em circunstância alguma estava a espera deste teu ato.
Mas obrigado, soubeste retribuir da maneira mais nobre.

Não podia ser de outra forma Diogo.

Ficamos isolados dos nossos grupos.
Já que a equipa do Rui acabou por não gostar que ele me atribuísse a sua vitória.
Mas acima de tudo ficamos de consciência tranquila, e aprendemos e demos, mais uma boa e bonita lição.
Obrigado Rui.

Eu é que te agradeço Diogo, por seres meu amigo e por seres assim.

De regresso a casa, o ambiente estava gelado.
O grupo estava dividido.
O Rafael e o Daniel, caminhavam mais a frente e o silêncio era ensurdecedor.
Eu vi que o Rafa e o Dani, foram aos poucos retraindo o paço para que nós os pudéssemos alcançar.
Agora já todos juntos e chegados ao largo da aldeia, ponto para cada um seguir para sua casa, lá nos despedimos.
Eu carregava um semblante de desilusão.
Sentia-me magoado com a postura do Rafa e do Dani.
Chau, fiquem bem até amanhã.
Só quero comunicar-vos uma coisa, no caminho tomei uma decisão.
Não contem mais comigo para qualquer tipo de jogos.
Para mim acabou hoje.
Quanto a nossa amizade, Rafael e Daniel, é algo que ainda vou refletir.
A vossa atitude deixou-me bastante desapontado, e apreensivo.
Mais uma coisa, aprendam o significado de fair play, vai vos ser muito útil pela vida fora, e engrandece-nos.
Eu sou assim.
E desta forma vou pautar a minha vida.
Quem quiser ser meu amigo de verdade terá que me aceitar tal como sou.

Diogo, tem calma, ouve uma coisa, achas que se tivesse sido o Rui a rachar o pião de algum de nós, tinha tomado a mesma atitude?

Não, claro que não Rafael.
E tu sabes porquê?
Porque ele não tem mais nenhum pião.
Rafael, as atitudes ficam com quem as pratica.
Mas o Rui soube estar, e portar-se à altura de um campeão.
Comigo não contem mais.
Competir e ganhar sim, mas volto-te a repetir, com fair play!

 
 
Diogo_Mar

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